Seminario na UFC discute: "Violencia e comflitos sociais" (Uso do crack)
Desde quarta-feira, dia 01, acontece, na Universidade Federal do
Ceará, em Fortaleza, o "II Seminário Internacional Sobre Violência e
Conflitos Sociais". Promovido pelo Laboratório de Estudos da Violência, o
evento é organizado pelo Professor César Barreia. Na quarta-feira, em
uma mesa redonda intitulada "Violência, segurança e cidadania", o
Professor Luiz Flávio Sapori (PUC-Minas) abordou o impacto do consumo do
crack no aumento das taxas de homicídios em algumas partes do país.
Abaixo, expresso, com liberdade, algumas das informações e proposições
apresentadas pelo professor mineiro.
Embora feito à base da pasta-base da coca, como a cocaína, o crack
impulsiona uma dinâmica econômica nova, que redefine substancialmente o
mercado de drogas ilícitas no Brasil. O não entendimento dessa nova
realidade tem implicado em ações policiais ineficazes. E essa
incompreensão é partilhada tanto pelo judiciário quanto pelo setor de
saúde pública. Por isso mesmo, a explicitação dos contornos específicos
do insidioso e perverso mercado do crack é uma tarefa fundamental a ser
assumida pela economia e a sociologia no nosso país. Para tanto, nada de
respostas apressadas. Formular questões substantivas é mais importante.
Uma primeira indagação a ser feita é: por que o comércio do crack no
Brasil, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, não se traduziu
em uma onda com uma duração temporal delimitada? Ora, em algumas
cidades, como São Paulo, já são mais de duas décadas de entrada em cena
do consumo do crack, sem sinais de esgotamento. Muito pelo contrário, a
onda se irradia pelo país, incorporando, nos últimos cinco anos, regiões
remotas, como áreas de garimpo na região amazônica ou pequenas cidades
do semi-árido nordestino.
Droga dos mais pobres, embora também consumida por jovens e,
minoritariamente, por adultos de classe média, o crack impulsionou um
mercado que se beneficiou do crescimento econômico dos últimos anos.
Paradoxalmente, o aumento do poder de compra das classes populares criou
condições para que seus jovens e adolescentes pudessem ingressar nesse
mercado perverso. Não apenas há mais dinheiro em circulação, mas também
um aumento substancial de bens que podem ser trocados por pedras de
crack nas bocas. Esses bens, sejam eletrodomésticos ou materiais de
construção civil, são subtraídos de suas famílias pelos viciados e
usados como moeda de troca com os traficantes. E essa é uma realidade
presente tanto em pequenas cidades do Nordeste quanto na periferia
urbana de metrópoles como São Paulo ou Porto Alegre.
Essa é uma dimensão que, embora revele regressão do ponto de vista da
transação econômica, na medida em que se traduz em uma volta ao escambo,
também expressa a extrema flexibilidade do mercado do crack no Brasil.
Assim, quase todos os bens a que as classes populares podem agora ter
acesso são passíveis de serem transformados em pequenas quantidades da
droga.
O crack não é, ao contrário de um mito muito difundido, uma droga
barata. Uma pedra de crack custa, em média, R$ 10,00. Mais ou menos a
metade do que os consumidores de cocaína pagam por um papelote. E é
equivalente a uma trouxinha de mercado. Não é, portanto, pelo preço que
se explica o poder de atração da droga e muito menos a sua dinâmica
economia. Encerrados nos seus ambientes de classe média, autoridades
policiais, jornalistas e membros do judiciário, durante muito tempo,
pensaram o mercado do crack como coisa pequena, conduzida por
traficantes medíocres, de vida e ambições curtas. Aos poucos vão se
dando conta que a droga nem é tão barata assim e que o seu comércio
movimenta quantias significativas e é, sim, muito lucrativo.
Pela sua dinâmica, o mercado do crack é um desafio para o poder
judiciário. Isso porque, diferentemente do que ocorre com a cocaína, por
exemplo, há uma zona cinzenta na qual é muito difícil separar
claramente o usuário do traficante. Os viciados em crack participam
ativamente do mercado, revendendo pequenas quantidades. Não é raro, que
pessoas introduzam os seus próprios familiares no consumo para garantir a
venda. A prisão desses usuários, enquadrados como traficantes, pode
abarrotar ainda mais as nossas cadeias e presídios, mas significa sempre
muito pouco, quase nada, em enfrentamento real aos derivados da
expansão do vício no crack.
Por outro lado, o mercado do crack não se estrutura, como ocorreu
tradicionalmente com o mercado da cocaína, em torno de grandes
estruturas operacionais. A sua lógica é a do mercado popular de massas:
pequenas empresas ("bocas") conduzidas por pequenos traficantes. No que
diz respeito ao lucro, essa situação se traduz em um ganho médio por
unidade (pedra) também pequeno. Mas, aí é que está a força desse
mercado, a venda no varejo, a muitos consumidores, garante o lucro.
As formas de gestão, de consumo e de regulação desse mercado em expansão
têm alimentado a violência urbana no Brasil nesta década que agora
chega ao fim. Produzir políticas e formas de enfrentamento eficazes para
minorar os sofrimentos dos que têm familiares e/ou amigos tragados pelo
consumo do crack é um dos maiores desafios para a construção de uma
segurança pública cidadã no Brasil na próxima década. E o êxito dessas
políticas está diretamente ligado à capacidade de os seus formuladores e
executores alicerçarem suas proposições em conhecimentos da realidade,
não em preconceitos e lugares-comuns.
O trabalho de pesquisa do Professor Sapori é uma referência para todos
quantos não tenham medo de olhar à beira do abismo. Decifrar o abismo,
sabemos desde sempre, é a melhor atitude para quem não quer ser tragado
por ele.
"Seminario na UFC discute: "Violencia e comflitos sociais" (Uso do crack)"
Postar um comentário
O espaço deve ser usado de forma consciente e respeitosa. Críticas, sugestões e opiniões são moderadas pela administração do site. Comentários ofensivos, com expressões de baixo calão, ou manifestações de evidencia político e/ou eleitoral, não serão acolhidos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
